
Muito tempo faz que eu não escrevo outra coisa que não seja um desagradável e frio texto acadêmico. Textos acadêmicos me incomodam sobremaneira... E é por causa de coisas que me incomodam atrozmente que estou escrevendo. E esta é uma crônica amarga. Uma crônica muito amarga... É este o momento em que eu digo que não sou uma pessoa feliz: som alto me incomoda. Musica popularesca me incomoda (pra ser sincero, música com um período só, se for do Walter Franco (Afinal: Quem tem tutano, tutano tem; quem não tem tutano, tutano não tem). Campanhas políticas e eletivas com “Amanhã vai ser outro dia” e “Pra não dizer que não falei de flores” e outros setentismos baratos também me incomodam, pessoas que acham meus textos fofos me irritam muito... Muito, mesmo. Posso até fazer uma arte...
E todo dia quando eu saio para trabalhar, usualmente atrasado, como sempre, muito me irrita ter de atravessar a rua correndo, para alcançar o primeiro dos ônibus enquanto este se enfogueta pelas avenidas da vida.
Eu entro no ônibus.
Eu passo na roleta.
Eu (com sorte) consigo me sentar.
Eu continuo ouvindo minhas queridas músicas.
(atualmente ando apaixonado pala Denise Emmer)
Eu fecho os meus olhos.
Eu vejo a luz...
Sigo com a lua serena, pedalando pelos tetos, e percebo uma borboleta informe abanar suas asas diante de meus olhos, ocultando o vermelho do sol de Saramandaia filtrando-se por minhas pálpebras fechadas... Maldita borboleta, nunca percebi para que serve uma porra de uma borboleta além de alimento para galinhas, ou para que eu as confunda com uma barata ao pousarem nas minhas costas... Odeio as borboletas. Quando alguém canta perto de mim “sou como as borboletas...”, prontamente eu respondo “e eu vou te dar uma paulada...”, para não perder a métrica do Benito, sua Proteção às borboletas poderia ser uma marcha fúnebre... Mas deixemos as borboletas de lado, que elas são de outro texto, contexto e perfazem outro hipertexto. A minha borboleta cansou-se de ser ignorada e pousou acintosamente nos meus ombros, sacudindo-me. Suspeitei do peso (borboletas são leves.. è, tirando aquelas mariposonas que merecidamente recebem o apelido macabro de bruxas.) e, a custo, abri os olhos, e vi um vendedor (aqui cabe mais um perentesis para dizer que venderores não vendem dores, as dão de graça (des gràce (é assim em francês?),: de cabeça, de ouvido...) de balas dizendo que queria falar comigo, fazendo sinal para que eu tirasse os fones do ouvido:
O senhor me dá licença?
Eu não costumo dar licença, meu querido.
Eu queria um pouco da sua atenção!
Não costumo fazer isso de dar atenção.
Me perdoe incomodá-lo
EU NÃO PERDÔO NINGUEM QUE ME INCOMODE, PORRA!
Olhe, eu poderia ser ladrão!
Que pena que você não o é, pois eu poderia atirar em você livremente.
Eu podia estar matando!
Eu também. Pra ser sincero, eu posso! Acho que farei isso se voCÊ NÃO TIRAR SUA MALDITA MÃO DO MEU OMBRO!!!
A essa altura as pessoas já me olhavam de lado. Não se atreviam a me incomodar. O rapaz se afastou. Recoloquei os fones no ouvido: aquestas mañanas... Depois, fechei os olhos. A musica mudou para um belíssimo, concerto pra uma só voz (também gosto de Saint-Preux). E eu ainda não sei o motivo de nunca chegar ao trabalho e de não acordar do meu cochilo... Mas lembro de os outros espíritos dizerem que meu corpo foi arrastando por todas as ruas de Macondo, amarrado em um triciclo, e varas de porcos corriam atrás, lambendo o mau sangue e apreciando minhas entranhas dilaceradas pelos pedregulhos. Dizem que o que restava do meu rosto sorria, acreditam que pela felicidade de ter meu corpo espalhado por toda a vila... E que minha alma atéia alçou vôo ao paraíso com enormes asas de borboleta. Asas de estranha e clara iridescência. Asas de luz.
Mas eu vou voltar para assombrar aquele maldito vendedor de balas de gengibre. Serei a borboleta de sua decadência. Aquela borboleta enorme que vai distrair sua atenção e ficar em frente a seus olhos até que seja tarde demais e aquela enorme carreta, carregada com dezenas de troncos de mogno, ilegais atre a ultima fibra, o esmague por completo. E eu terei o imenso prazer de vê-lo subir com suas asas... De papel de bala!
Belém, 11 de dezembro de 2009.